Biz Stone, mitra e a educação pós-twitter
Dilvo Ristoff*
Florianópolis – “O twitter é, por enquanto, uma rudimentar rede de conexão social”, disse Biz Stone, um dos seus criadores, em Doha, na primeira reunião de cúpula sobre inovação na educação, realizada em novembro último. Há, segundo ele, ainda muito a fazer para tirar pleno proveito dos mais de 4,4 bilhões de telefones celulares e de 1 bilhão de contas de internet espalhados pelo globo. Estamos apenas no começo, garante.
Quais são os próximos passos? Qual será o novo desenho desta invenção que encantou o mundo? Isto, disse Biz Stone, é mais ou menos como o desenho de ruas, calçadas e passeios em uma cidade. É inútil dizer às pessoas que elas devem andar por aqui ou por ali. Melhor é esperar que elas próprias nos digam como e por onde querem andar para, então, construirmos os caminhos. Por isso, argumenta, é melhor esperar para ver como as pessoas usam a tecnologia antes de propor um redesenho. O twitter, por enquanto, é um pequeno triunfo da tecnologia, mas, para ser verdadeiramente revolucionário, precisa se tornar “um triunfo da humanidade, não da tecnologia”, disse.
O criador do twitter esteve ao lado do professor indiano Sugata Mitra. Mitra é o autor de “A Hole in the Wall” – um livro em que narra os experimentos feitos com computadores disponibilizados a crianças de diversas comunidades pobres da Índia. Mitra, literalmente, abriu buracos em paredes de casas junto às ruas de cidades, para onde os bons professores não querem ir, e instalou computadores. Queria ver o que aconteceria com as crianças em termos de aprendizagem informal. Para sua surpresa, as crianças aprenderam, em três meses, sozinhas, a usar o computador, a explorar o mundo virtual e, rapidamente, como todos nós, a exigir um processador mais veloz. Concluiu que, sem qualquer tipo de ajuda, os meninos de rua aprenderam 30% dos conteúdos de genética disponibilizados e, depois, com o auxílio de um tutor, que apenas esclarecia eventuais dúvidas, obtiveram resultados superiores aos dos estudantes das melhores escolas da Índia.
Trabalhando com a ideia de que o conhecimento deixou de ser exclusividade dos mestres e está em toda a parte (Não sabe? Não pergunte ao professor: pergunte ao google!), Mitra argumenta que importa menos o que você sabe ou quem você conhece, e mais se você está ou não linkado. Já não estamos mais na época em que o computador apenas fazia o velho trabalho com mais agilidade e conforto: agora a própria ideia do velho trabalho está sendo redefinida pela nova tecnologia. A escola precisa rapidamente compreender esta redefinição para não tornar-se chata e obsoleta.
No tocante à educação, entramos decididamente numa era em que conhecimento não brota mais de superindivíduos, mas de co-construções multiperspectivadas e produzidas em múltiplos sítios eletrônicos, não mais exclusivamente por gênios iluminados da aristocracia pensante, mas por cidadãos comuns envolvidos com os seus afazeres diários, por energias criativas que caracterizam verdadeiras inteligências coletivas e democráticas. Aos poucos, o usuário do google questiona, e não raro com razão, as recomendações do médico, a originalidade do artista, o conhecimento do professor. O acesso fácil à informação, trazido pelas novas tecnologias, gerou a era do espanto, do desconforto, da instabilidade dos doutores acomodados, dos mestres oniscientes e dos pseudo-especialistas!
Para que a inteligência coletiva e democrática possa brotar em todos os cantos do planeta, ganhar escala e ser colocada efetivamente a serviço da humanidade, as universidades e a escola precisam mudar, tornando a inclusão digital de todos, especialmente a dos mais pobres, esquecidos e vulneráveis, a sua palavra de ordem deste milênio. Nenhum único talento pode permanecer oculto e, acima de tudo, o sistema educacional precisa estar disposto a colocar as novas tecnologias a serviço do ensino, da pesquisa e da extensão, tornando-as mais ágeis, mais interessantes e mais comprometidas com a sustentabilidade da vida no planeta. Para isso, terão que, entre outros, aprender a conviver com ambientes de aprendizagem auto-organizados, a lidar com tecnologias que tolerem o erro e a desenvolver sistemas de auto-avaliação que possibilitem múltiplas trajetórias pedagógicas. Em suma, a educação terá que ter compromisso fundamental com a inovação. O que Biz Stone e Mitra propõem é um futuro que não mais replicará o presente. Será um futuro que trará à tona milhões de talentos que até hoje permaneciam ocultos pelo seu alijamento social e que, a partir de agora, poderão ser colocados a serviço da vida. Será um mundo novo, muito diferente do que hoje conhecemos, com novas oportunidades para todos!
Estará o sistema educacional brasileiro em condições de preparar os nossos jovens para as demandas de adaptabilidade que se apresentam? A julgar pela resistência que as novas tecnologias ainda encontram em nossas universidades de elite, especialmente entre professores de cursos que devem formar os formadores de nossos filhos, temo que continuaremos a educar para o passado, imaginando equivocadamente que esta educação funcionará no futuro. Não funcionará! A menos que aceitemos, passivamente, que se frustrem as nossas esperanças de construir um país soberano – avançado nas artes e nas ciências -, é urgente que os professores e alunos, de nossas escolas e campi, sejam, a exemplo de outros setores mais progressistas da sociedade, expostos a um agressivo choque de novas tecnologias, antes que caiam em completo descrédito pela sua notória incapacidade de educar para os novos tempos. E isto não depende só dos professores. Depende, principalmente, de políticas públicas comprometidas com as novas possibilidades de interconectividade, comprometidas com o futuro.
* Dilvo Ristoff foi diretor de Avaliação do Inep e da Educação Básica da Capes. Atualmente, é reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul.
janeiro 25, 2010 Publicado em: Notícias